Bom, notícias fatídicas, são o que são e não podemos fugir delas.
Acabo de receber notícias que um bom amigo meu sucumbiu à leucemia.
Ele fez parte de minha saudosa infância na escola onde estudei. Fez parte do meu círculo de amizades. Mais ainda fez parte do grupo que participava no qual fazíamos estórias em quadrinhos.
Não bastasse o fato dele ter feito parte de minha rica infância naquela escola, mas também pude ter o prazer e vou dizer a honra de poder compartilhar com ele as minhas mais desvairadas loucuras. Estas que todos colocávamos em nossas estorinhas.
Um cara brilhante, inteligente, que não somente desenhava melhor que todos nós na época (e se pudesse hoje ainda continuaria desenhando melhor que nós), mas que era alegre, divertido. Queria apenas viver!
No máximo das coincidências ainda acabei sendo aluno do pai dele na universidade de engenharia. Fato que só fui saber já muito tempo depois de ter sido aluno dele.
Ainda cheguei, ainda beirando o máximo das coincidências, a encontrar com ele duas ou três vezes nos ônibus que peguei, indo ou vindo da faculdade.
O papo em geral era sempre o mesmo. Como estão as coisas, como vai a família. As trivialidades que preenchem as lacunas entre duas pessoas que já não se viam há muito tempo. Mas, e esse mas era o que fazia toda a diferença, ele sempre perguntava das estorinhas.
Esse período da minha vida foi o que mais intensamente desenvolvi minha criatividade e no qual aprofundei meu interesse pelo desenho.
Em 1991 nos unimos e começamos a fazer estorinhas em quadrinhos. Eu, ele e mais um amigo. Invocávamos toda nossas sandices e incríveis e mirabolantes estórias brotavam de nossos lápis Faber-Castel nº2 nas alvas faces do papel. Aquele espírito jovial, a molequice por trás de cada quadrinho, as piadas perspicazes e apimentadas de ironia surgiam com uma facilidade incrível. Impressionante reviver tudo isso agora na memória (visual e não tangível). Aquela chama ingênua, como assim costumo me referir, apagou neste meu amigo que se foi, por primeiro. Chamava aquilo de amadurecimento.
De uma hora para outra ele perdeu o interesse de fazer as estorinhas, como se elas nada tivesse significado. Não compreendemos na época, mas respeitamos. Ainda assim, nas escassas e raras vezes que encontrei com ele, o fato dele mencionar em nossas breves conversas estas mesma estorinhas, para mim era fato óbvio e ululante que elas ainda mantinham certa magia sobre ele.
Minha última homenangem para ele agora talvez a mais certa, seria de arrumar uma cópia dessa estorinhas que fizemos juntos e entregar para o pai dele. Vou arrumar isso.
Nossa que choque, que choque...
Apesar de não sermos próximos, mas este fato significa que minha geração (pelo menos meus amigos imediatos) estamos cada vez mais fracos em poder contribuir para este mundo. Essa notícia me abalou.
Meu caríssimo amigo, mesmo distante e alheio a teus caminhos, me lembro com carinho das horas alegres e divertidas que tivemos fazendo as estorinhas. Pelas piadas, pelos ensinamentos indiretos, pelas dicas, pela companhia, por tudo, muito obrigado. Seja feliz e descanse em paz.